Por Jefferson Rocha
Era o tipo exato de professor que eu detestava. Atormentava-nos sempre a respeito de notas e bons resultados nos estudos, mas fazia muito pouco para que pudéssemos alcançá-los. Obrigava-nos, em português (sua matéria), a ler livros inteiros em poucos dias. “Devem-se libertar de sua ignorância o mais rápido possível”, dizia ele. Nós, que estávamos no ginásio, pensávamos que ele só queria incentivar a leitura para que um dia pudéssemos admirar seus poemas que ninguém entendia. Ainda por cima era poeta. Até os outros professores faziam comentários maldosos sempre indiretos a respeito do modo de seu idoso colega. O que me impressionava, porém, era um ato que ele fazia sempre: quando repetidamente nos saíamos mal em uma prova, ele deixava sempre um recado junto à nota: MEMENTO MORI / CARPE DIEM.
Ninguém nunca entendeu. Mas ele era tão maluco, que quando chegava à sala de aula e via-nos brincando, sempre nos dava um papel com seu Memento mori.
- O que significa isso, professor? – sempre perguntávamos.
-Carpe diem, ora! – era sempre a mesma resposta.
Costumávamos fazer graça da excentricidade do velho. “Está caduco!”, concluía todos. Contudo, não imaginava que a coisa era um pouco séria.
Num sábado, quando voltava da casa de um amigo, vi uma briga na frente de um bar. Para minha surpresa, lá estava meu professor apanhando, completamente bêbado. Soube que ele já havia chegado bêbado, e depois de algum tempo, chorando, passou distribuindo nas mesas a mesma recomendação misteriosa que nos distribuía na escola. “E daí?”-perguntavam os agressivos. “Carpe diem, seu burro!”, foi a resposta desesperada, vista como uma dupla ofensa pelos outros. “Esse velho é louco!”- pensava eu. Mas percebi que havia alguma coisa atrás daquelas palavras, e decidi descobrir o que era.
Depois de várias buscas em livros, descobri que a chave do mistério em latim. Era o cumprimento dos monges trapistas. Um dizia “Memento moris”, que quer dizer “Lembra-te, vais morrer”. O que o outro queria dizer com carpe diem, então? “Deus me livre”? Não! Queria dizer “Aproveita, [pois], o dia de hoje”.
Nossa! Há tanto tempo que aquele velho nos dizia isso e eu não entendia! Isso me ajudaria muito vida afora, pois constatei que estava perdendo muito tempo com coisas inúteis. Era hora de crescer! Esperei até a segunda para contar ao meu professor que já havia entendido, mas foi tarde demais: o espancamento do outro dia fora demaais para ele. Meu professor morreu sozinho.
No ano seguinte, quando entrei no Ensino Médio, comecei a pôr em prática aquilo que de forma tão esquisita me fora passado. Minha vida, apesar dos momentos fracos inevitáveis, foi tornando-se melhor. O professor que substituiu o falecido era jovem e muito competente, de maneira que pude encontrar nele uma base para crescer em conhecimento. Era nosso amigo, e discutia literatura conosco de forma carismática, ao invés de mandar ler livros inteiros em poucos dias para no fim termos pouco proveito.
Um dia, quando estávamos estudando uma parte em que se encaixava o termo carpe diem, ele falou que isso lembrara muito o professor falecido, que também fora seu ex-professor, visto que a mensagem deste havia modificado muito sua vida.
Quando a aula acabou, fui falar com o professor. Eu disse que havia também descoberto o significado das frases, e que isso havia feito igualmente uma grande mudança em minha vida.
-Mas professor – perguntei – por que ele dava essas frases em latim para nós e para os bêbados, se ele sabia que não entenderíamos?
- E é justamente por não entender – respondeu – que eles vão morrer sem aproveitar o dia. O artista muitas vezes é um profeta, e por mais que suas “profecias” sejam jogadas, só quem é capaz de entendê-las é que pode mudar sua vida. Daí o desespero de artistas, dos santos e dos que entre uma coisa e outra se tornam professores.
Outubro de 2009
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