A CAPA DE BARTIMEU
Jefferson Rocha
Jefferson Rocha
E lá vinha ele para a beira do caminho. Já era conhecido de todos os que passavam indo e vindo frequentemente de suas viagens, nos dias permitidos, pelas portas de Jericó. De tanto tempo que estava lá, nenhum outro ousava tomar aquele lugar do cego Bartimeu. Bartimeu... Simplesmente filho (bar) de Timeu. Vinha ele para mais um dia, aproveitar o caminho de saída da cidade para conseguir algo para sobreviver, utilizando-se de sua única qualidade: ser cego.
-Pelo menos esse infeliz é cego!- dizia sua amável mulher.
Bartimeu era assim: alguns tinham pena, outros o difamavam. “Coitadinho...” – diziam uns – “a vida dele não é fácil... Alguém devia arranjar para ele uma operação pelo SUS... Mas sempre foi cego... Não dá pra ser nada depois!”. Outros, ah... “Olha, bem que mamãe dizia... Essa raça do Timeu não vale nada! Bando de infelizes! E a velha mãe dele: faladora da vida alheia! A justiça tarda mais não falha! Por isso que o filho nasceu cego! Deu sorte de não ter sido aleijado... Não sei como aqueles impuros nunca tiveram todos lepra!”
Embora soubesse que não sabia fazer nada além daquilo, mesmo sendo pedir esmolas seu único ganha-pão, ele não apreciava sua cegueira. Queria ver as paisagens dos campos, a sua cidade, a rua onde morava, os seus amigos, o quanto o João da mercearia roubava dele no pão... Mas o sonho dele era ver a glória do Templo de Jerusalém; sua situação sequer o possibilitou de ir a Jerusalém, quando era costume ir.
Os seus amigos e parentes então observaram de forma mais atenta sua situação, e notaram que ele não poderia mais estar na situação em que se encontrava. Batalharam, batalharam, e, finalmente, conseguiram para ele... uma capa. Sim! Uma capa! Uma capa é um artigo de alta importância para um cego que pedia esmolas. Mas não era uma capa qualquer... Era uma capa de pano de primeira, bem resistente: made in China. Pelo toque, ele sabia que era coisa da boa! E lá ia ele todos os dias com a sua fiel escudeira.
Certo dia, havia um alvoroço de pessoas se reunindo perto do portão da cidade. O cego descobriu que era um tal de Jesus de Nazaré, um galileu, que tinha a fama de curar todas as enfermidades. “O quê? Outro bispo da Universal? Ah, vá!”. “Não, seu Bartimeu...” – explicavam – “o homem é profeta, mesmo. Os fariseus morrem de raiva dele. Olha, não é querendo colocar lenha na fogueira... Mas o povo anda dizendo que ele é o Prometido de Deus. Ele vai reinar sobre Israel e nos livrar desse julgo. Tomara que diminua os impostos, por que até no Brasil não tem mais CPMF!”
Nossa! O futuro rei, Filho de Davi estava lá! Ele precisava de um autógrafo! Já imaginou o quanto valeria essa capa depois de ele ser proclamado rei? Uma fortuna! Se bem que ele queria mesmo era um autógrafo do Roberto Carlos, mas desse aí servia...Saiu do ponto, levando sua capa, rumo ao local da concentração, mais para o meio da cidade. Não foi difícil para ele, cego acostumado com os caminhos da cidade, acompanhar o povo junto à grande aglomeração que havia entorno do Mestre. Tentou várias vezes chegar perto, mas sempre era empurrado. Outros poderiam ter aberto o caminho, sabendo que ele era cego, mas já sabiam quem ele era, pelas más línguas. “Certamente é cego porque é pecador! E pecado grave... O Mestre não vai perder tempo com ele.” Por mais que se esforçasse, sequer chegava perto. Na esperança de conseguir um autógrafo na sua capa, tentou mesmo ir no outro dia, mas a aglomeração era ainda maior. Por mais que ele tivesse começado a gritar, não era percebido pelo Senhor.
- Cala a boca, idiota! Estamos querendo ouvir o Mestre!
E se calava. Se bem, pensando, não era muita coisa, mesmo... Não valia a pena... Ninguém sabia se ele ia ser rei mesmo... “Eu podia ter recolhido umas esmolinhas lá no meu esquema... Vou é pra lá logo...”
Enquanto tentava sair daquela turba, esbarrou em várias pessoas. Alguns maldosamente até o empurraram. Um pouco mais distante, atordoado, pensando no tempo que havia perdido com essa sua peregrinação, esbarrou numa mulher; só que, diferentemente dos outros, ela o ajudou a levantar; pela capa, conhecia que este era cego. “Nossa”, disse ela, “sua capa está tão cheia de poeira! Não quer que eu tire um pouco dela?” Depois que terem achado assento, começaram a conversar. Ela dizia que seguia Jesus fazia algum tempo, desde que Ele a livrou de ser apedrejada em Jerusalém pelos fanáticos judeus de lá. Se bem que ela havia pecado muito. Sabia que eles a queriam destruir, mas – notara ela agora-, já houvera se destruído havia tempo, mas não havia ninguém em que confiar o seu sofrimento, não havia saída; tudo era escuridão. Até que houve certo dia, em que ela decidiu que sua vida devia mudar, e tentou fazer isso por si só; infelizmente, não conseguira; e justamente nesse dia, flagraram-na em pecado. Deixaram o homem lá (viam-no com inocente), e a levaram até um homem que se dizia Filho de Deus, para o testar. Quando a jogaram, estava tão atordoada que nem ouviu o que falaram, nem o que o tal homem havia escrito na areia. Mas um por um foi saindo, até que ficou ela de frente para o Mestre. Foi a primeira vez que ela ousava levantar a cabeça depois que foi jogada ali. “Seu Bartimeu”, disse, “parecia que aqueles olhos já me conheciam fazia tempo. Parece que penetravam no mais fundo da minha alma, e, com a ternura daquele olhar, aquele Mestre dando perdão de seus pecados, entrou a paz dentro do meu coração.” Desde então seguia-o.
Aquele testemunho o encheu de esperança. “Ele já curou várias pessoas que creram nele. Quem sabe Ele não o cura?”, disse a mulher, entregando-o a capa um pouco mais livre da poeira. Despediram-se.
A esperança de Bartimeu cresceu, mas não queria voltar a aquela multidão de novo. “Se eu voltar lá, vou sair além de cego, aleijado, depois que for pisoteado.” Planejou então voltar ao seu ponto, e no outro dia cedinho ir procurar o Mestre.
Bartimeu não chegou mais lá reclamando, gritando por esmolas. Ele se refugiou do Sol e do vento forte com sua capa, e começou a pensar na sua vida, nos seus sofrimento. “Meu Deus... Sou cego de nascença... O que eu fizeram para eu nascer cego? Se bem que pelos erros que fiz, mesmo cego, eu mereço estar nessa situação. Pra aquela mulher, até os inimigos a ajudaram a levá-la ao Filho de Davi... E eu não tenho ninguém.”
No meio de seus pensamentos, eis que começa a surgir um barulho de uma multidão passando pelos portões da cidade; até mesmo uns gritos. “Quem morreu pra ter esse tanto de gente nesse enterro?”, perguntou Bartimeu a algumas pessoas que já o circundavam. “Não, não é morte não... Quem vai passando ali é um doido que diz que é o Prometido... Como se de Nazaré viesse algo que preste... É um tal de Jesus.”, responderam.
O quê? Já ia embora! Se bem que agora ia ser até melhor. Ia ficar lá com sua capa, ia dizer todos os seus problemas, até chorar se fosse necessário... Quem sabe ele não arranja alguma coisa. Curar da vista já era demais... Quem sabe não arranjava pra ele uma capa mais resistente que estivesse na moda, uma dupla de cães-guias ou até mesmo uma bengala eletrônica!
Ele ia chamar, e Jesus viria até ele. “Jesus, filho de Davi! Tem piedade de mim!”, gritava. Mas foi passando o tempo, e nada de ninguém vir a perto dele, levar o Mestre. Ele estava indo embora... Quem sabe quando é que Ele voltaria? E começou a gritar mais forte: “Jesus, filho de David, tem piedade de Mim.”
Todas as pessoas que estavam na multidão ouviram o cego, mas Jesus estava bem distraído conversando com umas pessoas do lugar se a colheita de frutas passada havia sido boa. Os discípulos, já sabendo de sua má fama, vendo que o Mestre não ligava para o cego, mandaram que ele se calasse. “Se o Mestre não atende esse aí, é porque deve ser coisa muito grave, ou é um vagabundo mesmo.”
Apesar da vontade de desistir, o cego sabia que essa seria a única oportunidade de mudar a sua vida. Ele não apenas gritou mais ainda, gritou com toda a vontade de seu coração. Essa era a hora que tanto esperou em sua vida.
Jesus suavemente então parou, e pediu para que trouxessem o cego. Uma voz feminina foi informar o cego: “Tem bom ânimo! Levanta-te, que Ele te chama!”; era aquela mulher que a pouco encontrara. Na certeza de que a sua vida seria mudada para sempre, ele largou a sua preciosa capa, e foi ter com Jesus. “Coitado!” – diziam alguns fariseus que acompanhavam a turba sarcasticamente – “Esse galileu é um bruto! Por que ele não foi até o coitado do cego? Só podia ser de Nazaré, mesmo...”
E chegou Bartimeu até Jesus. O cego, depois de quase correr na medida do possível entre a multidão, ofegando, foi assaltado com a pergunta: “O que queres que eu te faça?” Não pode evitar o pensamento: “Além de surdo, é louco!”. Mas bem sabia na quantidade de coisas que queria pedir ao Mestre, na quantidade de desejos que tinha, mas era de uma coisa só que ele precisava. Na certeza de sua fé, respondeu o que aos outros parecia lógico: “Senhor, que eu veja!”
“Tua fé te salvou” foi a resposta que deu fim ao sofrimento daquele cego que pendurava durante toda a sua vida. Não só recebeu a visão, como foi salvo: salvo de sua capa. O seu sonho se realizou de ter a vista dos olhos sido dada. Agora, sabia que a vista do coração precisava se desenvolver. “E seguiu a Jesus pelo caminho.”
13, 14 e 19 de fevereiro de 2011.
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