sábado, 11 de junho de 2011

Vivificar a educação (11.06.2011) TEXTO

Vivificar a educação
Jefferson Rocha

Há algumas semanas, venho acompanhando acontecimentos que mostram um pouco da realidade da educação em nosso país. Todos nós sabemos que a situação do ensino público de nosso país é bastante precária; porém, a nossa ação perante o assunto é de apenas perplexidade, sem nenhum compromisso com a efetiva mudança.

Há algumas semanas, o Jornal Nacional mostrou em sua série de reportagens  JN no Ar – Blitz da Educação a situação da educação do país, escolhendo uma cidade de cada região para serem visitadas duas escolas: a de maior e de menor Ideb, que é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.

As diferenças, em todas as regiões, são visíveis entre as duas escolas, que apesar de geograficamente perto uma da outra, têm realidades completamente diferentes. Em geral, constata-se que a de maior Ideb é uma escola melhor cuidada pelos professores, alunos e diretores; os alunos estão na série que deveriam estar, levando em conta sua idade; há a participação dos pais, e seu acompanhamento e cobrança; há projetos de leitura; os professores ganham bem, e –se não – nota-se em todos eles o desejo de ensinar. As de pior Ideb são o contrário das outras nessas características.

Um exemplo, porém, chamou atenção. Foi a cidade de Goiânia, representando a região Centro-Oeste. Nela foram visitadas as escolas com o maior e o pior Ideb de toda a série de reportagens.  Porém, houve uma surpresa: a escola de pior Ideb tinha uma boa estrutura, e os professores ganhavam um salário relativamente maior que o da outra escola. Mas o que o especialista constatou é que nessa escola, além de seu problema com a indisciplina dos alunos, há “uma aceitação do fracasso”, tentando “empurrar com a barriga” os estudos. “A gente nota que a escola não tem uma indignação, não está preocupada em resolver esse problema que é crucial da alfabetização na idade certa. Isso acaba gerando indisciplina.” Porém, a escola de maior Ideb (7,1 numa escala de 0 a 10) não tinha uma boa estrutura, e os salários dos professores não eram chamativos. Antes da atual diretora assumir, a prefeitura previa que a escola seria fechada, pelo reduzido número de alunos e péssimos resultados. Entretanto, ela conseguiu virar o jogo: com o uso da concentração, comprometimento e entusiasmo com os alunos, a escola chegou ao nível que chegou, comparada hoje pelo MEC como no nível das de países desenvolvidos.

O relato da professora Amanda Gurgel correu a internet, mostrando apenas uma face do problema, que é a situação com o descaso do governo para com os profissionais da educação. Ela também acusa que quem deveria ter uma certa vigilância para o que está acontecendo fecha os olhos para a verdadeira injustiça que acontece todos os dias, que só chegam a ter relevância em período de greves.

O artigo 205 da nossa Constituição estabelece que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, será incentivada pela sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o mercado de trabalho. As aplicações práticas disso são muito limitadas, pois se de um lado há um descaso do Estado e da família em sua tarefa de tornar plena a educação daqueles que estão aprendendo numa instituição pública quase falida, também encontramos uma série de escola em que o objetivo não é esse desenvolvimento pleno e exercício da cidadania, mas que o compromisso é tão somente jogar conteúdos e mais conteúdos na cabeça dos alunos, preparando-os das formas mais ridículas possíveis, transformando o “passar em vestibular” em objetivo de vida, quando na verdade ele é um simples meio.

Com todo respeito aos professores, que estão todos os dias nos recintos educacionais, que estão todos os dias vendo o problema de perto e sentindo-o até, tendo eles mais autoridade do que eu para falar sobre o assunto, vejo que o problema da educação é não se preocupar com a sua forma integral; formar não o médico, o jurista, o engenheiro, mas formar a pessoa, formar o cidadão.

A qualidade da educação, como diz a professora, não pode ser associada a colocar professor dentro de sala de aula. Vou além em dizer que também não são só escolas com boa infraestrutura, porque em qualquer um dos casos há o perigo de se ter as escolas como “depósitos de crianças”, um lugar onde os pais depositam as crianças por causa do trabalho, pois essa é a verdadeira preocupação do Estado em períodos de greve.

Além de tudo isso, o Ministério da Educação coloca a disposição livros em que erros gramaticais são vistos como normais, e fala de um tal “preconceito linguístico”. Isso provavelmente vem de uma ideologia incompreensível, que sinceramente não tem resultados práticos. Perguntem isso ao povo do Japão e da Coreia do Sul, que hoje são o que são por investir naquilo que é o essencial para o desenvolvimento do país, que é a educação. E isso a base de disciplina no ensino. Alexandre Garcia, comentarista do Bom Dia Brasil da Globo, compara que, por esses dias, foi preso o presidente do FMI, com o uso de algemas e tudo. E aqui no Brasil, o uso de algemas é limitado, pelo “constrangimento que isso pode causar”. Acho que num caso e no outro, quem realmente vai desenvolver esse “trauma horroroso” são aqueles que podem pagar um bom tratamento psicológico, pois que a maioria da população está sim sujeita a esse “preconceito” e a esse “constrangimento”, independentemente de limitações. O que se quer é nivelar por baixo os alunos, e se for assim, seria melhor fechar todas as escolas, pois a educação aí não pode resolver nada.

Os estudantes precisam conhecer os bons efeitos de uma boa educação. E isso não é difícil, quando há o verdadeiro comprometimento de quem lida com isso todos os dias. A edição da revista Veja de 18 de maio de 2011 nos faz ter alguma esperança, principalmente na área do desenvolvimento educacional que mais revolucionou minha vida: a leitura. Na matéria especial, vemos alguns exemplos de como o hábito da leitura não é um hábito que tende a acabar com a internet, como diversos autores profetizaram: isso tende a se renovar, de maneira especial com o surgimento dos tablets. Além disso, os exemplos retratam que jovens, com a nossa idade ou menos, aprenderam o gosto pela leitura da maneira mais natural possível: pelo que gosta. São muito criticados o que eu chamo de livros-mercadoria, que muitas vezes não tem um conteúdo muito bom e reflexivo, mas também se nota que incutir Machado de Assis para quem não está preparado também não é a solução. A matéria mudou minha forma de ver esses livros, pois eles são sim um bom começo para aquele que realmente é levado a não se contentar com somente aquele tipo de leitura. Um exemplo é que muitos analistas previram que leitores de Harry Potter estariam condenados a serem leitores apenas de livros de Harry Potter. O tempo provou que eles estão errados, e pessoalmente sou exemplo disso, pois que apesar de nunca ter lido Harry Potter, foi a lleitura dessa obra por meu irmão que me incentivou para a leitura. Quem é bem assistido, pode ir se refinando para partir para leituras mais avançadas: De Harry Potter para Os Maias; de Crepúsculo para O Morro dos Ventos Uivantes e Crime e Castigo; D’A Cabana para Cem Anos de Solidão. E isso pessoalmente tenho sentido todos os dias.

É necessária uma renovação no desejo de querer ensinar aos alunos (para não serem mais a-lunos,” sem luz”), e também incutir neles o desejo de saber mais, não com o sentido egoísta de ser “o melhor”, mas de serem melhores pessoas, melhores cidadãos e pessoas que são foco de luz onde se encontram, em meio às trevas que vivemos.


11 de junho de 2011.

OBS: Site com as reportagens completas do JN no Ar - Blitz Educação (http://g1.globo.com/jornal-nacional/jnnoar.html)

sábado, 28 de maio de 2011

O maior amor do mundo (28.05.2011) TEXTO


O maior amor do mundo
Jefferson Rocha

Título bastante sugestivo. Pudera: um dos maiores temas da humanidade; não um problema sentido por todos de forma social, mas é uma pergunta quem vem a assaltar a várias pessoas em sua individualidade. Quem nós amamos mais? Será que amo a Deus como eu devia amar? Meu próximo, como mandou Jesus? Meu pai, minha mãe? As pessoas com quem convivemos? Aquela pessoa por quem estamos apaixonados? A nós mesmos?

Uma das classificações, diria uma das mais tradicionais, é dividir a concepção do amor em três, de acordo com a forma de se expressar dos gregos antigos: Eros seria o amor erótico, no sentido de atração física; Philos seria o amor fraternal; e agape o amor benevolente, de desejar o bem ao outro: o amor incondicional. Há importância em se saber o sentido dessas palavras, porque na própria Bíblia há um jogo delas na parte em que Jesus chama Pedro para “apascentar suas ovelhas”, quando Jesus pergunta-lhe se o amava (agape) e ele respondia que ele o amava (philos). Por fim, Pedro respondeu que o amava (agape).

Não gosto muito dessa forma de querer por numa fôrma ideias tão amplas, muito menos uma das maiores delas, que é o amor. Ainda mais levando em consideração apenas simples palavras. Bom lembrar também que o conceito de homem para os gregos não incluía os escravos.

As definições de amor são amplas, e confesso que não é meu objetivo dissertar sobre elas, nem fundar uma nova concepção. O que quero ressaltar é a forma com que fazemos comparações, e como isso implica nas nossas vidas no tocante à liberdade na nossa relação com Deus.

Eu procuro algumas vezes ter contato com histórias e dizeres de pessoas sábias, e que de alguma forma nos levam a melhorar como pessoa, e particularmente no meu caso, como cristão. Assim, tive contato com uma história bastante interessante.

São Jerônimo, para quem não conhece, é aquele que traduziu a Bíblia de suas escritas originais para o latim, conhecida como Vulgata, que é bastante tradicional para a Igreja Católica. Antes disso acontecer, Jerônimo passou 27 anos em uma gruta, conhecida como Gruta de Santa Catarina, logo abaixo da Gruta de Belém, onde - dizem - Jesus havia nascido. Era um rapaz que era rico, mas não tinha paz e queria ser verdadeiramente livre. Vivia de forma ascética; porém não tinha paz. E pedia sempre a Deus a felicidade, a paz... Mas sempre tinha a resposta: “Para isso, você tem que Me entregar aquilo que mais ama”. “O que mais, Senhor?” – perguntava Jerônimo – “Eu já dei tudo a vós! Minha vida, ela é sua; já dei as minhas roupas: me visto da forma mais simples possível; dei minha inteligência: não leio mais nada, a não ser obras que ajudem na minha missão; dei o meu corpo: faço jejum, consagrei minha sexualidade e pratico a castidade; abandonei minha família, deixei todos os meus bens, vivendo uma pobreza extrema... O que o Senhor que mais que eu faça?” “Quero que você me dê aquilo que você mais ama”, era a reposta. E sempre ele se perguntava aquilo que ele mais amava. Depois desses 27 anos, ele descobriu aquilo que mais amava, e entregou a Deus.

Seu pecado.

É uma verdade terrível, que pelo menos na minha vida fez um sentido imenso.

De forma gritante, vemos hoje àqueles que se dizem a procura de Deus. Se for de certas igrejas, aí que é gritante mesmo... Sempre naqueles velhos clichês: “Ah, Senhor! Restaura minha vida! Aleluia!” A pessoa pensa que existe um demônio na sua vida, que a destrói e manda fazer coisas que “ela não quer fazer”. Depois de um “show místico”, em que dizem encontrar e sentir o Espírito Santo, dizem que suas vidas foram restauradas. “Recebeu a promessa!”

Pode ser que esteja fazendo um mau julgamento, mas na verdade não é esse meu objetivo em expor clichês. O que eu quero enfatizar é que esse e eu procuramos aquilo que Jerônimo procurava naquela gruta: Paz e felicidade. E, a nossa maneira, “gritante” ou não, tentamos  –principalmente nós, cristãos - nos iludir que, por uma boa sensação que nós tivemos, nossa vida foi salva, tudo vai ser diferente daquele momento pra frente, e que vamos vencer. “Aleluia!

Pena que não é tão fácil assim; e o próprio Jesus assim nos ensina, quando pede para carregarmos a nossa cruz. Porém, devemos entregar tudo a Ele, e o mais assustador é que também devemos entregar esse amor que queremos esconder de nós mesmos: o amor pelo pecado. Confesso que a priori achei muito pesado utilizarem a palavra amor nesse contexto, nos termos que inicialmente comecei a colocar; mas infelizmente é nesse peso inteiro que deve ser demonstrada essa ideia. Que amor é esse? Será que é um amor maior do que pelas pessoas que convivemos? Do que por nossos pais? Do que por Deus? Enfim, do que por aquilo que nos é mais caro?

Cada um tem a mínima noção daquilo que faz pesar a sua cruz, e quer, tem vontade se livrar disso. Procura por todos os cantos uma forma de fazer isso... Tenta, tenta... Mas não consegue. Por quê? Ora, devemos analisar se não temos um profundo amor pelo nosso erro. O que será que eu fiz, e o que sou capaz de fazer por esse “amor”? Gastar dinheiro? Tempo precioso da minha vida? O meu próprio ser? Ou por em risco aquilo que quero colocar como mais sagrado em minha vida, embora não consiga?

Infelizmente constatei isso, que o pecado me ganha. Minha coragem é pouca. Eu tenho esse amor, que é “sem limites”, como o de Roberto Car... Ah, lembrei de uma piada cretina...

Um casal estava brigando:
-... Você reclama de bucho cheio! Meu amor por você é que nem o de Roberto Carlos por Maria Rita!
-Ah, é? Pois prove!
-Pois morra!


Voltando... Sim, é um amor sem limites... Que quer ver a gente “morta” no final.

Essa constatação, somente a própria pessoa é capaz de fazer, refletindo. Apesar de ser triste essa constatação, é aí que está a esperança. Vamos dar um passo importante para começarmos a ser livres, pois pelo menos diante de Deus, conversando sobre o nosso amor pelo pecado a Ele. Ao sermos francos com Ele, seremos com certeza conosco mesmo.

Entregando esse amor maior do mundo, possamos substituir por aquele Amor que é infinitamente maior que o próprio mundo, e possamos saber amar de fato aqueles que queremos amar, sendo livres e estando em paz.

Que Deus nos abençoe.



28 de Maio de 2011.

domingo, 22 de maio de 2011

Sobre escrever (22.05.2011) TEXTO


Sobre escrever
Jefferson Rocha

Nesses últimos dois dias, tenho produzido textos explicativos sobre questões sobre as quais acho relevante falar. De onde veio esse desejo?

Nesses dias corridos, são raros os momentos que temos para tomar contato com a sabedoria daqueles que de fato são muito importantes de ouvir. Todos têm aquelas pessoas em que se espelham, logo porque nossas ideias, se não são nenhum pouco nossas (o que é grave), provêm desses retalhos de informações a que temos contato todos os dias. Dou graças a Deus pelo fato de, nos últimos tempos, terem essas pessoas sido cristãs atuantes, e que são verdadeiros raios de luz onde estão, no meio das trevas de conhecimento em que somos envolvidos.

Por esses tempos, tenho tomado contato com as músicas de padre Zezinho. Muito antigo. Ele foi o pioneiro da chamada “Música Popular Católica”, que foi um movimento de avivamento da Igreja Católica Romana, procurando quebrar os tabus católicos como de latinização do contato com o sagrado e de músicas sacras como apenas cantos gregorianos. As letras de padre ezinho são bastante inteligentes (diria até que ele é mais um cantor para padres, do que para fiéis leigos), mas a simplicidade é uma marca na obra de padre Zezinho. Muitas das músicas são acompanhadas apenas com um violão, ou instrumentos simples, como gaita. Tudo muito longe do atual cenário gospel que se criou no meio religioso, inclusive na própria Igreja Romana.

Confesso que a simplicidade me atrai. E a obra desse padre também me atraiu, diferentemente de outros padres, pastores ou cantores religiosos comuns, que são verdadeiros artistas, mas que se esquecem da sua vocação e de seu compromisso com a verdade.

A máxima que Padre Zezinho comentou, num diálogo inicial do disco Histórias que eu canto e conto, é a seguinte:


“Às vezes, no buliço do mundo e no vai e vem do cotidiano, é preciso tomar tempo, parar um pouco e deixar que fale o coração. Alguns falam por carta, outros em diários, outros ainda em livros e revistas; e dou graças a Deus porque existe gente que não guarda para si apenas a riqueza de sentimentos que o mundo vai trazendo até eles. Eu nunca sonhei ser cantor nem poeta nem compositor. Quis, e tão somente quero ser gente, cristão e padre! Mas foram os jovens que me disseram que o importante não era um padre Zezinho músico, cantor ou artista, e sim um padre Zezinho que lhes falassem do jeito que eles entendem. E aqui vou eu mais uma vez...”


Durante meu processo educacional, não fiz muitos textos. Poucos foram os que eu fiz, e no último deles, no Ensino Médio, ganhei um prêmio em projeção nacional. Pode ser que esse fato exigia que meus textos devessem ser excelentes, histórias com as mais sofisticadas tramas, e conclusões surpreendentes. Nos últimos anos, depois do prêmio, escrevi pouco, confirmando uma ideia de que escrevia apenas sob pressão.

Nessa introdução do Padre Zezinho, comecei a refletir mais sobre o que é escrever. Durante o meu Ensino Médio, tivemos muito contato com “definições de arte”, “requisitos impreteríveis para que algo seja considerado arte”. “Escrever não é pra qualquer um: há risco de escrever porcaria”. Em suma: “Todos podem ser bons leitores, mas poucos bons escritores”.
 
Resultado desse pensamento: poucos leitores, menos ainda escritores.

A inovação do pensamento de padre Zezinho na minha mente foi o fato de me mostrar novamente o porquê de fazer textos. Como ele, eu não quero ser um escritor famoso, merecedor de um Nobel em Literatura. Eu só quero ser gente; eu quero só ser cristão. Quero expressar o que o meu coração fala: sentimentos, inquietudes perante o mundo, palavras que não passam.

Não vejo o escrever como uma obrigação: vejo como um direito. Não tenho a pretensão de pensar que meus textos serão lidos por milhares de pessoas; não preciso falsear o que sinto, enfeitar para tornar meu texto “comercializável”. Também não tenho a pretensão de tornar meu texto algo do mais puro elitismo cultural, que é algo tão cansativo que não toca aqueles quem deveria tocar. É bom deixar claro que também isso não dá direito de nos condenarmos a um achismo eterno, mas justamente vamos cumprir o desejo de Deus, que o cristão verdadeiro deve seguir: não se conformar com este mundo e a termos a contínua renovação de nossas mentes (Rm 12, 2).

No meu texto Verdadeiro Prefácio, comentei com uma rede social atrofia as mentes, inclusive pela falta de um desenvolvimento racional de nossas ideias. Que possamos mostrar para os outros as nossas ideias. Que possamos ter a oportunidade de estabelecer algo sobre o que discutir, algo que vem de nós mesmo. É tão estimulante ter contato com as ideias de pessoas que conhecemos, que admiramos, que amamos. Há tantas, tantas ideias para compartilhar com os outros!

O melhor benefício de expor nossas ideias é que nós temos a oportunidade de dialogar conosco, nos conhecer. Vai nos tornar inquietos, o que nos levará a cada dia queremos ter melhores fontes de conhecimento.

Na minha opinião, como disse, escrever não é obrigação, um compromisso com o mais elitizado pensamento. É sim um direito nosso, de termos a oportunidade de nos conhecer e de nos fazermos conhecidos.

22 de Maio de 2011.

sábado, 21 de maio de 2011

Qu'est-ce que c'est? (21.05.2011) TEXTO

Qu’est-ce que c’est?
Jefferson Rocha

Pode chegar alguém a me perguntar o que quer dizer esse trambolha aí em cima. Pode me perguntar: “Que porra é essa?” Aí eu respondo: “É exatamente isso!”

Não é uma nova espécie de “churinchurinfuflais” dos anões da história do Chapolim. “Qu’est-ce que c’est?” é uma expressão em francês que quer dizer “O que é isso?”, “O que significa isso?”. Demorei muito para entendê-la, pronunciá-la e escrevê-la. Na pronúncia correta, existem letras nessa frase que para nós, brasileiros, são quase imperceptíveis. É uma frase tão emperiquitada para dizer uma coisa tão simples.

Mas é aí que está o problema: não é tão simples assim.

Definir algo é por os limites de um termo, enunciar seus atributos essenciais e específicos, que o distinguirá de outras coisas. Definir é algo que é da Filosofia, da Lógica... Mas minha insignificância nessas áreas não permite me ater a explicações nesse caráter, muito embora também não procure me ater no “achismo”.
Falo isso principalmente porque, hoje em dia, existem várias controvérsias em temas que somos chamados a julgar, a ter uma posição. Aborto, união homoafetiva, células-tronco, religiões da moda, grupos musicais com novas perspectivas, outros artistas que nem tem tantas novas perspectivas assim... Amigos, família, arte, vida, morte, amor, sofrimento, Deus... Qu’est-ce que c’est?

Somos bombardeados de informações em que, de maneira dissimulada, nos vendem opiniões pré-fabricadas. Também nos coloca dois caminhos totalmente opostos, em que nós devemos escolher exclusivamente um, banindo tudo que venha do outro. Quando nos perguntamos Qu’est-ce que c’est? da maneira que devemos, chegamos a conclusão de que não há apenas dois caminhos, mas vários. O meio-termo de Aristóteles é um exemplo: entre dois vícios, há uma virtude. Por exemplo, entre a covardia e a impulsividade – dois vícios, um é a falta, outro é o excesso - está a coragem – uma virtude.

A questão não é que sempre o meio-termo será a resposta para nossas perguntas. Existem fatos em que nós podemos entender ficar apenas em um dos lados opostos. Mas o diferencial será que, dessa forma, nós seremos assim seres capazes de dialogar com o outro, de entendê-lo. O próprio Deus, que é a Verdade, se dá o trabalho de fazer também isso: “Vinde e discutiremos – diz o Senhor. Ainda que vossos pecados sejam como púrpura, ficarão brancos como a neve. Se forem vermelhos como o carmesim, ficarão como lã.” (Is 1, 18).

Vivemos no mundo de mil filosofias, doutrinas e superstições. Não temos o direito de ter a nossa, que pode ser baseadas nas nossas impressões, ou nossa fé? O importante é estar de paz consigo mesmo, e não desprezar o outro, seja em suas opiniões, seja como ser humano na sua amplitude, pois opiniões maquiavélicas também existem.

Que tenhamos essa oportunidade de refletir melhor nos assuntos que nos são trazidos. Possamos ver a profundidade deles, e nas questões básicas tenhamos a humildade de fazer essa pergunta, que eu em especial, vendo a importância e a particularidade dela, prefiro dizer: Qu’est-ce que c’est?

Finalizo com a velha lenda de um dos maiores perguntadores que existiram: Sócrates. Estava na rua, e passou um homem correndo; após, veio um policial no seu encalço, pois aquele havia assaltado algo. Então perguntou para Sócrates: “Viu o bandido?” Sócrates respondeu: “Pra você, o que é bandido?”

Não sei se o bandido foi preso... Mas o fundamento dessa pergunta devia soar até hoje: Qu’est-ce que c’est? Faríamos julgamentos menos precipitados, sem excluir os outros.

21 de Maio de 2011.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Verdadeiro Prefácio (20.05.2011) TEXTO


Verdadeiro Prefácio
Jefferson Rocha

Olá. Meu nome é Jefferson Fernando Rocha, sou de Dom Pedro, Maranhão, Brasil. Provavelmente você que por ventura esteja lendo este texto me conheça. Então, eu tenho uma excelente notícia para você: com certeza, você não me conhece!

“E o que será isso, meu Deus? Uma ameaça?!” Parabéns pro que provavelmente pensa assim... Você acabou de confirmar o meu pensamento. Mas não é isso... Deixe-me explicar.

Há alguns dias – não sei se você que me adicionou notou... Provavelmente não... – eu exclui o meu perfil no Orkut. Respeitando um caráter bem processual de exclusão – pela morosidade, diga-se “bem brasileiro” : passei uns 30 dias sem visitar a minha conta, sonhando – que anta... - que alguém iria me mandar uma mensagem.  Para surpresa até do leitor, eu recebi – faça-se justiça - sim! Duas mensagens!

... Duas mensagens-vírus.

Excluí “de pleno direito”. Bom, então surge a pergunta: exclui apenas por falta de uso, ou porque eu quero me aparecer, “esculhambar dessa classe de gente besta, e que eu sou ‘um herói’ por assim o fazer”? Nem um, nem outro.

Bom, confesso que a principio eu me acharia grande coisa se excluísse o Orkut. “Coisa de gente inteligente”. Mas, pensando um pouco antes de tomar essa decisão, eu fui revendo as impressões que durante esses anos eu vim tendo do Orkut.

O problema não é a plataforma e as intenções da rede social. Sem dúvida, vários avanços sociais meus tiveram lugar no Orkut. Mas quero dividir minhas razões em duas partes. A primeira é a que aparece mais a vista, e a segunda é a mais importante, pois tem um caráter mais geral.

A primeira parte, como já disse, é aquela que a gente vê todos os dias e nota facilmente. Apesar do pouco uso efetivo do Orkut, surpreendi a mim mesmo pelo fato de acessar todos os dias a minha conta. Pra quê? Quem sabe!... Esperança de “pobre” e pensamento de doido: quem é que sabe?...

Saber da vida alheia, talvez. Não tenho muitos meios de saber de fofocas; talvez eu quisesse saber como estava a vida dos outros, mantendo-me oculto. Todavia, o ruim de saber da vida alheia com os olhos das próprias pessoas (leia-se “pessoas orkuteiras” fanáticas) ou por pessoas desautorizadas é que a gente tem contato com todo o tipo de porcaria. Quem nunca abriu o seu perfil, e viu frases-de-perfil com uns “Mô, te dolu”, ou com um bocado de fotos daquele seu ex-colega com um copo de cerveja na mão numa festa se achando o máximo, ou – pior – aquele seu adicionado que parece que joga pedra com a mão esquerda com aquelas fotos em que quase mostra os pelos púbicos, parecendo a Lady Gaga... E as conversas de futuro, em que não se contentam em falar asneiras entre eles, ainda compartilham com os outros? É estressante para nós, tidos em boa conta por normais, conviver com esse tipo de mazela humana. Soma-se a isso a falta de tempo para estar em contato com esse tipo de coisa. Até que limite tive que ficar expostos a saber da vida dos outros? Tentei algumas vezes ajudar pessoas com esse tipo de problema... Mas quem sou eu? Já vi a ingratidão ser divulgada para quem quiser ler, assim como ameaças, e mesmo frases pobres sobre o meu Deus. É um verdadeiro circo.

A segunda é a mais grave. Mais geral, como havia dito. O problema das redes sociais - e me atenho mais ao Orkut – é o fato também de haver pessoas com potencial, respeitadas e esclarecidas com Orkut; afinal, não vivia em tamanho mar de porcaria. O fato é que o Orkut torna a pessoa, mesmo sem o usuário querer, mesquinha, ou pelo menos pobre em expressão. Quanta coisa pra se dizer, quanta coisa pra se falar... Digo em quantidade mesmo... Mesmo que sejam coisas corriqueiras, mas que são importantes na vida dos que dialogam entre si, que não são ditas.

Antes fossem só fatos... E os sentimentos? E aquilo que a pessoa pensa? Será que isso não é tão social quanto uma conversa? É uma tristeza assistir a conversas cada vez mais cheias de frases soltas sem nenhum sentido. Fala-se tanto nos outros, do que aconteceu... que esquece de si mesmo. Quando é exigido, em certo momento da vida, por uma opinião sobre determinado assunto, não é capaz de dar uma resposta dela mesma... Apenas o que pensa fulano de tal (livre-docente em Achismologia pela Universidade Botequinesca de Dom Pedro), ou mesmo buscando validade de pensamentos pobres em opiniões preconcebidas.
Falo assim porque é nesses conceitos vagos sobre as pessoas, principalmente no meu caso, que são formados por frases e mensagens dentro do Orkut. Às vezes, quando o Orkut marca que fulano fez alguma coisa, a gente tenta saber o por quê: o por quê de uma frase, de uma resposta, de uma ação. Ou seja, temos tão pouca base pra formar opiniões que podem mudar a forma com que vemos uma pessoa. É bastante perigoso. O resultado é que nos expressamos mal, levando a outros a desenvolverem a antiga “arte” de interpretar com poucas informações.

Uma pessoa que coloca seu currículo em cento e quarenta caracteres pode ser um bom profissional? Eu não contrataria... E poemas? Pois tem gente que faz pior: expressa o seu dia em menos caracteres que isso. Diz palavras tão importantes sem um contexto, levando ao desenvolvimento de neuróticos, que têm tantas oportunidades de se comunicar na rede, e o fazem com migalhas.

Por isso estou aqui. Esse tanto de baboseira que está aqui - tendo em boa conta que meu leitor leu - expressa o que sinto. Sempre fui tido com homem de poucas palavras, mas descobri que os sentimentos, os problemas do mundo, o próprio mundo em si, são muito ricos para se expressar em apenas poucos caracteres, ou pior, ficar no silêncio. O Deus que está dentro de mim é maior que simples clichês de pastores e padres famosos, ou frases da Bíblia que aparentemente não tem nenhum sentido. Prefiro os que fazem pensar.

 Nestas linhas que escrevo assumo o compromisso de sempre que puder, tentarei expressar minhas opiniões e impressões, mas não tenho a pretensão de torná-las definitivas. Mas peço desculpas para o leitor que não me entende... Hoje eu ouvi uma música de Padre Zezinho, um padre que faz a gente verdadeiramente pensar, e uma frase eu achei bastante interessante, e vai servir de lema aqui nesse blog: “É muito jovem a minha oração; talvez não tenha a maturidade, mas tem a verdade do meu coração [...]” Quero aprender todos os dias, o que não vejo como apenas obrigação, mas um direito meu. Quero aprender a ser gente. 

Vamos juntos?

20 de Maio de 2011.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Das Pedras


Por Jefferson Rocha

O cheiro daquele lugar me fascinava bastante. É claro, pois quando ainda muito criança era meu único lugar de diversão. Desde quando me notei gente, minha mãe levava todos seus seis filhos para as grandes rochas que ficavam a beira de um riacho de águas turvas, onde lavavam roupa. Era o serviço que minha mãe e muitas outras mulheres faziam para arranjar algum dinheiro para o sustento da casa, já que a renda dependia essencialmente delas. Todos os dias, trabalhavam desde manhã bem cedo até quase as cinco da tarde, sob o sol escaldante.
Embora eu começasse o dia feliz com minhas brincadeiras, ficava triste todo final de tarde por ver estampado na cara de minha mãe e das outras mulheres o olhar de cansaço e a tristeza pelo dia sofrido que passou, e já pelo dia seguinte. Por isso, para tentar animá-la, dizia sempre que algum dia seria prefeita da cidade, que acabaria com aquelas pedras e colocaria as lavadeiras em outra profissão. Fazia meu discurso para todas elas, e sempre riam da minha ingenuidade: quem ainda tinha o direito de ter esperança?
Era muito pouco o que ganhavam, principalmente por que quase sempre tinham que sustentar uma família grande, inclusive com o próprio marido, o que era o caso de mamãe. O pouco que papai ganhava sendo servente de pedreiro tinha como destino certo a bebida e a aposta. Muitas vezes ele chegava bêbado em casa e a comida não estava pronta. Minha irmã mais velha por muitas vezes nos levava para fora para não ouvirmos as terríveis brigas que meus pais tinham. Certa vez, meu pai chegou ao extremo de apedrejar minha mãe com pedras tão ásperas como aquelas sobre as quais ela havia trabalhado o dia inteiro. “As pedras fazem minha mãe sofrer duas vezes”, pensava eu.
Algum tempo depois – eu já devia ter uns dez anos - comecei também a fazer o mesmo serviço de minha mãe e de minhas irmãs mais velhas. Certa vez, espalhou-se pelas outras lavadeiras uma doença que ninguém sabia qual era. Tinha medo de contraí-la, mas um sentimento muito pior tomou conta de mim quando minha mãe também adoeceu. Devido àquela situação degradante, e com um impulso vindo do desespero, decidi ir à prefeitura em busca de ajuda. Dr. Rocha era o prefeito da cidade, pois o cargo foi “herdado” de sua família de políticos desde a fundação da cidade. Lembrei-me que foi muito gentil quando foi pedir votos na eleição passada. Talvez com igual gentileza ele atendesse o nosso caso. Entrei na prefeitura com certo ar de esperança, pois ainda tinha os mesmos sonhos de criancinha, e pedi com o melhor ar de respeito que podia para ver o senhor prefeito. Quem me atendeu foi um rapaz, que era seu assessor; tratou-me com gentileza, e disse para eu ir à noite às rochas para vermos o problema. Achei muito estranho, mais ainda era alguma esperança. À noite me arrumei e fui ao local combinado, já com a lista mental dos problemas que eu ia contar preparada. O céu estava limpo, e a lua iluminava todos os caminhos. Em cima das rochas, pensando na vida e admirando a paisagem, me assustei quando alguém puxou com muita força o meu braço: era aquele homem. Jogou-me numa das rochas e me violentou. E lá se foi aquele meu espírito de criança inocente... Depois que ele me deixou livre, saí pela noite, vendo através daquela noite iluminada as marcas bem evidentes da violência. Com medo de eventuais retaliações, menti, dizendo que apenas havia caído nas rochas... muito embora soubesse que de algum modo isso lá era verdade...
Assim, sem ninguém que pudesse reivindicar coisa alguma, muitas das mulheres que adoeceram morreram, sendo que poucos dias depois daquela noite a minha mãe veio a ter o mesmo destino. Meu pai sumiu logo após o acontecido, de maneira que nossa família foi obrigada a se separar. Cada um foi para um lugar diferente, e nunca mais vi sequer um deles. Eu fui levada para a casa de minha madrinha na capital. Não havia muita diferença da minha casa, pois ela era tão pobre quanto nós, de maneira que as pedras de minha vida agora eram imateriais. Fiquei por um tempo atordoada com o que havia acontecido em tão pouco tempo na minha vida. Recomecei a estudar e, passando as páginas de um livro, vi a imagem de uma pedra, e conferi o texto de Carlos Drummont de Andrade o qual ela simbolizava:

“No meio do caminho tinha uma pedra,
Tinha uma pedra no meio do caminho...”

Comecei a lembrar daquele lugar que fora palco de tantas situações alegres e desastrosas da minha vida, e veio à mente a lembrança de mamãe, minha pobre mãe... Lembrei do meu antigo sonho, o de ser prefeita daquela cidade, e concluí que se aquelas pedras haviam entrado no meu caminho, eu é que devia destruí-las.
Desde esse dia, tomei gosto pela leitura e comecei a estudar o máximo que podia para alcançar meu objetivo, por menos que meus professores ligassem para o verdadeiro ensino dos alunos. Ainda bem que minha professora de português apostava em mim. Por ser boa aluna e esforçada, ela me emprestou muitos livros para depois discutirmos sobre eles, sendo um deles um livro de José de Alencar chamado Senhora. Com ela, pude entender que Aurélia Camargo tornou-se independente e se conservou forte mesmo com as injustiças dos homens. Confrontando com minha situação, fui vendo que o problema não eram as pedras em si, mas uma questão de desigualdade que havia entre homens e mulheres. “As pedras que maltratam as mulheres são os homens”, conclui eu. Pelo gosto à literatura, decidi fazer a faculdade de Letras e comecei a militar o feminismo através de artigos e textos. Entretanto, não muito diferente do meu ensino básico, os professores não ligavam para as minhas idéias, e pouco se importavam se mulheres sofriam lavando roupa em pedras numa realidade tão diferente da deles. Muito embora tivessem conhecimento, estava lidando com um bando de “cabeças de pedra”.
Apesar de tudo, no entanto, me formei. O que não me saía da cabeça era voltar para a minha terra, para mudar a situação de lá. Ao voltar, para surpresa minha, tudo estava igual: as mesmas casas, os mesmos comportamentos, com as velhas rochas e suas lavadeiras, nas mesmas condições. O pior era que quem ocupava o cargo de prefeito era uma mulher, a esposa do Dr. Rocha. Consegui ganhar um cargo de professora na escola da cidade e, com algum dinheiro, consegui abrir um escritório para ser sede de meu jornal para a cidade; apesar disso, só quem trabalhava era eu. A primeira edição trazia, por questão minha, um retrato minucioso da realidade das lavadeiras nas rochas da cidade, com o sofrimento com que elas conviviam todos os dias.
  O artigo, porém, não provocou reação nenhuma. Então, na outra edição, resolvi ser mais ousada: fiz um artigo criticando a prefeita e sua administração, atacando a estirpe que dominava o poder da cidade desde sua fundação. Convoquei as lavadeiras, outras mulheres e a sociedade em geral para juntos “quebrar os Rochas que nos impediam de seguir o rumo do desenvolvimento e de ter uma vida digna”. No dia seguinte à publicação, quando voltava da escola à noitinha, vi uma porção de pessoas, inclusive as lavadeiras, em frente ao escritório do jornal, apedrejando as instalações; por fim, queimaram tudo. Soube que foi a mando dos Rochas que fizeram isso, de maneira que não podia fazer nada. “Meu Deus!” – chorava eu, desconsolada – “Que maldição está por trás de quem quer apenas destruir as pedras!”.
Meu sonho se tornaria muito difícil de realizar, então. Bem, mas quem falou que existia uma maneira mais fácil? “Se eu não pude pegar a abelha com o fel” – cogitava eu – “então devo pegar com o mel.”. Coloquei todos os meus esforços na minha profissão de professora, pois havia descoberto que nem as pedras em si nem somente os homens eram o problema. “Aqui, as pedras estão em tudo!” – dizia – “ e se consegui, mesmo que por um infeliz acidente, tirar muitas das que estavam no meu caminho, posso fazer isso com meus alunos.” Como professora, incentivei a literatura e sua leitura crítica. Com pouco tempo, meus alunos começaram a ver o mundo também de forma crítica, ficando mais independentes. Os resultados foram tão bons que o antigo preconceito dos outros professores foi vencido, o que culminou em eu conseguir o cargo de diretora, onde pude fazer muito mais com outros projetos.
Os anos foram passando, e meus discípulos foram fazendo bem o seu trabalho, lutando contra a antiga mentalidade de seus pais, ainda que de vez em quando fossem “apedrejados”. Vendo essa situação emergente, senti-me tão forte quanto as pedras que marcaram a minha vida, assim que decidi finalmente concorrer nas eleições. Os Rochas riam muito de mim, pensando que eu não tinha a mínima chance. Pensamento infeliz... Com muita luta, consegui acabar com a dinastia dos Rocha e fui eleita com larga vantagem.
Assumi com muita festa da população. Sozinha, no meu gabinete, comecei a lembrar das rochas em que mamãe passava tristemente seus dias. Levei esse tempo todo para descobrir que o grande problema não eram aquelas pedras à beira do riacho, não os homens e poderosos que queriam ser fortes como pedras para dominar os outros, mas as pedras que estão dentro do coração e da cabeça de toda a sociedade. Tornei-me, e tornei a muitos mais, através da verdadeira educação e do verdadeiro uso das letras, uma pessoa forte como uma pedra, forjada com as dificuldades, mas com um coração humano pronto para ver o próximo. Como promete Aquele que nos ensinou o Amor, nem as portas do inferno prevaleceram contra essas pedras.
Trabalho completo? Nem sequer começou... Mas em ver que realizei meu sonho e dei a oportunidade de muitos outros sonharem, poderia hoje morrer feliz.

Outubro de 2009