quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Green Beret: Aprendizado para "cegos" - TEXTO (07.12.2011)

Green Beret: um aprendizado para “cegos”
Jefferson Rocha

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da internet é fenomenal. No que pese alguns aspectos negativos que encontro nela e que eu arrazoei em textos passados desse blog, é indiscutível que a janela de que esse instrumento é substancialmente dotado abre para um horizonte de possibilidades boas e instrutivas. Confesso que não sei o que seria de mim hoje sem a internet. Melhor talvez (não tiro essa possibilidade...); entretanto, o sentimento de querer usar da melhor forma possível aquilo que Deus me proporcionou – pois acredito nisso – me fez tomar algumas atitudes usando a internet, no qual aprendi muito.
Falarei de uma delas. Talvez a mais importante da minha vida. No auge do Orkut (lembre-se de que, apesar de ora antiquado, não faz muito tempo), criei um fake. Na linguagem da internet chama-se fake aquele perfil (no caso do Orkut; não sei como se chama em outras redes sociais) de uma pessoa que de fato não existe, ou – de forma menos honrosa – pessoas que se fazem por outras. Esse fake se chamava Green Beret. Com ele, pretendia aprender línguas estrangeiras, e também ensiná-las, através do diálogo com outras pessoas, e também compartilhamento de informações de como estudar línguas estrangeiras.
Escrevo esse texto por alguns motivos, sobretudo pela oportunidade da data. Em 24 de novembro deste ano, Green Beret completou cinco anos de criação. Mas o que mais me leva a escrever esse texto é começar uma discussão sobre como as escolas e os próprios alunos podem contribuir de forma efetiva para o aprendizado de línguas estrangeiras, e como poderiam ser estimulados a tanto, principalmente em um meio em que o seu conhecimento seja tão desconsiderado. Quero apenas levantar questões, pois não tenho o menor conhecimento de Pedagogia ou didáticas para o ensino; falarei apenas como alguém que tentou experienciar alguma coisa sobre ensinar e aprender línguas.
At least but not last, quero colocar uma pergunta para a leitura do texto: pode um cego guiar outro cego por um caminho?
Permita-me o leitor a começar minhas divagações.

I

Green Beret foi criado no dia 24 de novembro de 2006.  Havia algum tempo que tinha criado um Orkut pessoal, no qual, quem me conhece, sabe perfeitamente que lá não era muito usado. Poucos adicionados, menos ainda mensagens.
Na época, quando apareceu a oportunidade na internet, tive acesso a um curso de alemão. É, alemão mesmo! Sempre fui fascinado pela história da Segunda Guerra Mundial, e também da reconstrução do povo alemão após esse capítulo peculiar e triste da História. Dessa forma, tinha interesse em aprender uma língua nova. O curso é excelente: é um curso por rádio, em que o site disponibilizava apostilas e o áudio, e era uma história. Ao contar das histórias, divididas em episódios, havia a oportunidade de nos familiarizarmos com o som do idioma (algo fundamental no aprendizado), além de elementos da linguagem, gramática e cultura da Alemanha. Foi o primeiro curso de línguas que peguei na vida, e talvez não o aproveitei como deveria .
Talvez? Não sei hoje nenhuma palavra em alemão; entretanto, sei elementos básicos, que não passam; é a velha alegoria da bicicleta: depois que aprende, não se esquece mais. Mas o fato é que estava muito bem aprendendo; mas não fixava o idioma. Por quê?
Claro, pois não o praticava com ninguém (nem o português, aliás...). Pode parecer bem óbvio hoje, mas na época não sabia como aprender uma nova língua como deve de fato ser aprendido. Não que eu me gabe que hoje saiba, mas naquela época, sabia bem, bem menos.
Que fazer, então? Procurar alguém com quem dialogar alemão seria a primeira opção. Mas com quem diabos? Quem tem sequer o interesse de aprender alemão? Até hoje não encontrei esse indivíduo. A opção que sobrou foi a seguinte: criar um novo Orkut, e usar ele para dialogar alemão comigo mesmo!
Só podia ser coisa de antissocial mesmo... Mas era a opção que tinha. Criei então um e-mail e, logo após, um novo perfil no Orkut: “GB – Deutsch”. Seu nome “real”: não sei. Seu apelido: Green Beret.

II

E de onde eu tirei esse nome? Em tradução livre, seria “Boina Verde”.
Bem, eu fui criança, e meu passado me condena mesmo!
Ainda que nós em casa não tivéssemos um computador de última linha, e acesso a todos os jogos que quiséssemos em versão completa, eu e meu irmão éramos bastante felizes com os “jogos-demonstração” que tínhamos. Um deles se chama Commandos: Beyond the Call of Duty. É um jogo de estratégia militar, excelente por sinal. Consistia no uso de seis personagens, aos quais era dada uma tarefa militar durante a Segunda Guerra Mundial, contra alemães. Não me delongando mais, o principal personagem desses seis chama-se Green Beret. Daí, sem muita criatividade, resolvi colocar esse nome.
As características do fake Green Beret são as seguintes: ele é um policial alemão, de 23 a 25 anos, morando em Frankfurt, que – por acaso – entra em contato com brasileiros para aprender português, e, consequentemente, ensinar, pelo diálogo, outras línguas.
Vamos recapitular: um fake, com um nome inglês, inspirado num assassino de nazistas, era alemão, policial, e tinha interesse em aprender línguas estrangeiras, e ensiná-las, e justamente para brasileiros. E, vendo os poucos adicionados que tinha, quase todos justamente de uma cidade do interior do Maranhão, e boa parcela de uma única escola. Muito estranho, ou algo fundado ao fracasso?...

III

Ambos.
Apesar da história de Green Beret ser algo tão sem criatividade, foi o que menos pesou para os seus relacionamentos, pelo menos num primeiro momento.
Vendo que minhas conversas monótonas em alemão com esse fake, por motivos óbvios, não funcionavam, resolvi desistir do intento. Mas, para minha surpresa, pessoas da minha escola, que jamais tinham falado comigo, interessavam-se em adicionar um alemão para com quem dialogar em outra língua. Não em alemão, eu digo; mas, principalmente, o inglês.
Foi uma alegria muito grande falar com esse pessoal. GB teve adicionados que nunca tive sequer em meu perfil pessoal. Apesar de origem totalmente discutível, muitas pessoas adicionavam por curiosidade.  Muitas, disse? Não, não muitas, diria... GB, nos primeiros momentos, não teve mais que sete adicionados. Mas para alguém desconhecido, que usava o Orkut para alguma coisa útil (o que é raro em sede de redes sociais...), isso é muito, não concorda?
O alemão, pelo desuso, foi deixado por mim aos poucos. A bandeira da Alemanha sempre foi a imagem de perfil de Green Beret. Mas o inglês sempre foi o predominante. Isso era apenas o começo.

IV

Por algum tempo GB ficou apenas nos cumprimentos, e nada mais. Mas claramente GB começou a funcionar de verdade com as conversas de Tales de Mileto (obviamente, usarei nomes fictícios). Esse era um menino muito inteligente, e era muito simpático, o que nos proporcionou muitas boas conversas em inglês.
A nossa mais longa troca de mensagens (permita-me usar a primeira pessoa) durou mais de seis meses. Cada mensagem era esperada ansiosamente. Aprendíamos muito, de verdade.
Pena que, dessas melhores mensagens de GB, poucas ficaram, pois ele excluiu seu perfil no Orkut, apagando todas elas. Mas, bem no começo, ainda tenho alguns fragmentos de respostas que dei a ele sobre algumas questões. Trago uma sobre a história familiar do GB; acho importante colocá-la para o leitor ter noção de como eram nossas conversas. Eis-a:

OK. I’ll tell my history below:
In the times of Cold War, Germany was divided in West Germany (FRG) and East Germany (GDR). My father lived in West Germany and my mother lived in East Germany. With the division, they had been separate geographically, but your hearts don’t. Therefore, they went to Spain and married in there. 2 years later, I was born in Madrid. When I had 5 years old, we come back to Germany, because the Berlin Wall was destroyed. When I grew and I finished the studies, I was in doubt between to be a policeman, my dream, or to be a teacher of German language in Spain, which the salary was high. I decided, then, to be a Policeman in Germany, but I would help young people by Internet to study German. Later, I started to learn and to teach other languages, as the English, for example. When I meet you and my other Orkut’s friend in Brazil.
And now, speak about yourself.
P.S.: And, by the way, Merry Christmas for you!
Bye,
Green Beret.

Desculpe-me pelos eventuais erros de escrita do inglês, e muito mais ainda a série de coisas inacreditáveis que tive que inventar para tonar GB interessante. Mas – percebam - era assim que era as comunicações do GB. Pesquisando termos no dicionário, usando termos que tínhamos aprendido em estudo... Era assim: um diálogo em que ambos errávamos muito, mas que aprendíamos muito, e colocávamos em prática coisas novas.
Essas conversas com Tales de Mileto me estimularam a desistir da quimera do alemão e entrar no inglês. Estudar pra valer mesmo! De janeiro do ano de 2008 (meu último ano de Ensino Médio) até o fim, ainda que tivesse que estudar para o ENEM, fui fiel à minha sagrada hora de estudo de inglês, para manter as conversas não só com Tales de Mileto, mas também com outros e outros com o qual dialogava em inglês.

V

Todavia, houve empecilhos que foram, infelizmente, além do natural sacrifício.
Eu vim de um curso de alemão que não me ajudava bastante, e entrei num ensino de inglês que me ajudava menos ainda. Basicamente, meu estudo de inglês resumia-se apenas ao meu livro de inglês, e algumas miseráveis ajudas. Meu ensino de língua inglesa foi algo deficiente. Muito poucos são os que se interessavam em aprender algo diferente, novo, em nossa cidade, circunstância que, infelizmente, passa para a nossa escola, por mais que ela se esforce em muitas ocasiões em tentar fazer o contrário. Soube que Tales de Mileto tinha todo o apoio para o aprendizado da língua inglesa, mas o mesmo não se deu comigo. Talvez porque ele fosse da então sétima série (hoje oitavo ano), e eu, um perdido aluno do terceiro ano do Ensino Médio. Nossas aulas de inglês sempre foram sofríveis, mas a condição piorou nos últimos anos do Ensino Médio.
Não estou dizendo essas coisas por rancor. Acreditem! Mesmo porque, se não houvesse GB, talvez passaria por despercebido, pois nunca tivera interesse de aprender uma língua nova. Mas a partir do momento que comecei a ter interesse, tanto quanto Tales de Mileto, não fui ajudado. “Ah, talvez se ele tivesse insistido, ele teria conseguido essa ajuda!”, poderá dizer alguém. Mas, acreditem, as circunstâncias específicas da minha classe e com o responsável pelo ensino não permitiam, pois ninguém queria um aprendizado com eu e Tales de Mileto queríamos, no caso. Ele, que também teve colegas que o acompanhavam, teve apoio; eu, numa classe como aquela, fiquei sobrando.
Não quero suscitar picuinhas com essas afirmações; mas quero lembrar que não se pode exigir que uma pequena brasa surgida quase que do nada se transforme numa fogueira, que ilumina a todos, se não lhe derem palha. Deixo claro que não são mágoas pessoais o que aqui derramo, mas o sincero desejo de que outras pessoas, com igual potencial, não se percam na proporção que está. Uma palavra que seja ajuda bastante. A educação, no geral, está sofrendo esse problema, e quem mais peca são os que assumiram o dever e a responsabilidade de fazer seus pupilos crescerem: os professores.
Precisou que um cego levasse o outro cego, pois os que viam cruzaram os braços.

VI

Com quem conversava, procurava animá-lo a estudar inglês e a praticá-lo.
Claro que sempre houve quem usasse o Google Translator para escrever suas mensagens, mas fazia parte. Normalmente, quem utilizava desses meios nunca sabia estabelecer uma boa conversação. Com Anaxágoras, eu pude notar isso no começo; mas aos poucos, notei dele um esforço maior em utilizar um vocabulário melhor e próprio.
O esforço dele era sempre muito recompensador. E isso reforça minha opinião de que a prática é bastante necessária; mas não basta ela apenas: o esforço e o incentivo para tal é de extrema importância. Talvez se eu pessoalmente fosse mais sociável, o resultado poderia ter sido melhor.
A gama de assuntos era bastante reduzida, e ficava apenas nas poucas coisas que podia observar do perfil da outra pessoa. Tendo atenção às coisas favoritas dela, fazia perguntas, e sobre coisas do seu cotidiano eles falavam.

VII

Por mais que houvesse o natural desgaste, Green Beret acabou por motivos mais pessoais. Pude notar que aos poucos as pessoas iam conhecendo a verdadeira identidade do policial alemão, e com isso o entusiasmo para continuar um diálogo foi paulatinamente acabando. Fiquei bem triste por saber que muitos adicionavam GB não mais pelo estímulo que recebiam, mas para tentar desprestigiar sua atuação.
Nessa pequena experiência, pode conhecer uma minúscula parte do dilema do professor – pelo menos daqueles que querem o bem para seus alunos. Confesso que usei GB muitas vezes para alertar os adicionados para alguns comportamentos estranhos que apresentavam na rede social. Exemplos são o fato de conversas a quase todo o momento com pessoas visivelmente suspeitas (o leitor deve arrazoar que, muito embora GB também não fosse lá uma coisa isenta de suspeita, pelo menos tinha um objetivo que o levava em boa conta...), uso de frases totalmente impróprias, fotos chocantes (inclusive só de cueca, com fins de puro exibicionismo). Fora isso, também dava uma de “psicólogo” em alguns momentos ruins pelo qual os adicionados passavam. Também exortava muito as pessoas usando os chamados “depoimentos”, que hoje confesso que, em sua maioria, foram melosos e desconectados do sentido que propus inicialmente para Green Beret.
Agi de forma normal ou fui intrometido? Bem, não posso fugir dos problemas alheios; mas acho que tive um pouco de intrometido. Ou pelo menos, quando o fui, não tive os resultados que esperava obter. Por isso o dilema do professor.
Sócrates vangloriava-se de ter tido uma mãe que era parteira. Ele dizia que, de certa forma, herdou esse ofício da mãe, o que passou para o seu modo de filosofar e interagir com seus discípulos: as ideias vinham deles próprios, através de seu processo dialético e ironia socrática, formando-se as ideias naturalmente, tal como num parto; ele – como uma parteira – estaria apenas para assegurar que nada sairia errado.
Por mais que queira, por mais que tenha carinho, um professor não pode invadir a liberdade do aluno. Nem o próprio Cristo se atreveu a fazer isso (Quando dizia: “quem tem ouvidos, ouça!”, ou no uso das parábolas). É frustrante, mas é a única saída. “O homem está condenado a ser livre”, disse Sartre.
Pequei nesse aspecto, e nada recebi em troca. Não é a toa que GB acabou.

CONCLUSÃO

Confesso que, quando estava planejando este texto, intentava escrever sobre quase todas as experiências que, com o perfil do alemão, tive – mesmo as mais pessoais. Cortei muitas partes totalmente sem sentido, pois estaria cometendo o mesmo erro que fiz com Green Beret todo esse período: no afã de ajudar as pessoas, acabei não ajudando em nada.
Quero concluir este texto de forma mais nobre. Primeiramente, não aconselho a ninguém criar um fake. Olhe... Há tantas formas de se expressar, principalmente agora nessas redes sociais! Se o leitor quer usar uma rede social para algum fim, seja um projeto, um protesto, ou falar algo que você quer dizer, faça em nome próprio! Mas que isso não seja empecilho para não falar o que você acha: elabore-o e o faça de maneira que os outros recebam de maneira satisfatória; em suma, prefira a criatividade e a coragem a facilidade de  expressar de forma falsa. Sinceramente, não vale a pena!
De resto, retomo ao mesmo ponto passado: não tive um ensino satisfatório de língua inglesa. E sabe por quê? Porque não havia motivo para tanto! Numa cidade no meio do nada, não há o porquê de perder tempo diário no estudo de algo que não se tem a menor perspectiva de uso num futuro. Falso pensamento! Além do uso das línguas estrangeiras que a globalização vem a cada dia exigindo, e que, dia ou menos dia, vai chegar onde estamos, vai ser cobrada no mercado de trabalho, também temos que atentar para o fato que eu claramente pude perceber no meu humilde aprendizado: ao aprender uma língua nova, a mente parece se abrir! Sim, pelo menos aconteceu comigo: a mente fica mais aberta para captar conhecimento e atentar para a cultura de outros povos, facilitando a nossa integração dentro deste mundo cada vez mais unido em meios de comunicação, mas cada vez com mais distâncias pela alienação que seu uso desavisado nos traz. Não é uma questão de querer ser melhor que os outros, mas de necessidade mesmo!
Concluo respondendo a pergunta que fiz no começo. Precisou sim que um cego guiasse outros cegos pelo caminho. Mas quando esses dois cegos se metem a andar esse caminho, percebem – para sua surpresa – que não são cegos: apenas não podem ver com clareza onde estão. Mas a medida que andam, ainda que com dificuldade, por certo encontrarão algum rastro de luz. E a despeito dos que ficaram, avançam, e encontram a luz, e se alegram. Fica o meu profundo desejo de que quem ainda se acha cego, comece a andar para que veja; e os que já viram essa luz, tenham a coragem de anunciar aos outros como é bom vê-la.
Obrigado, Senhor, pela oportunidade que me deu.

Novembro e Dezembro de 2011.

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